segunda-feira, 29 de maio de 2017

GRES UNIDOS DA PONTE (SÃO JOÃO DE MERITI/RJ)

“Romance de Xangô – A Dança do Fogo”


Carnavalesco: Lucas Milato
Autores do Enredo: Lucas Milato e João Francisco Dantas
1. INTRODUÇÃO
Na década de 1950, o poeta açoriano, Vitorino Nemésio, em sua viagem ao Brasil, passou pela Bahia e lá, pela cidade de Salvador, onde foi levado ao Terreiro de Mãe Anísia. No terreiro, Vitorino assistiu a iniciação de Dazinha, filha de Xangô, como mãe de santo. E todas as suas impressões ficaram registradas num poema chamado “Romance de Xangô”. Imerso no universo de Vitorino, o G.R.E.S. Unidos da Ponte retratará, com o merecido respeito, as impressões do poeta, desde a chegada ao terreiro à iniciação.
2. SINOPSE
Estou no Terreiro de Mãe Anísia, que fica localizado no Matatu Pequeno, em Salvador. Mesma região onde nasceu o primeiro terreiro de candomblé do Brasil, a Casa Branca do Engenho Velho da Federação.
É noite, e no Péji, local da casa de santo onde ficam os assentamentos dos orixás, as roupas e os objetos ritualísticos, as ekédis vestem e paramentam Dazinha, aquela que será feita mãe de santo. No Péji, somente aos iniciados é permitida a entrada.
No salão, outras ekédis e os alabês preenchem o lugar com seus bustos de bronze tisnado, elegância ímpar e porte imponente. Vestem-se com corpetinhos de crivo com detalhes de flores brancas sobre o branco do tecido.
No ar, inundando o olfato, pairam o cheiro do cravo e da canela, especiarias que trazem riqueza; nos enfeites, enchendo os olhos, aparecem desde o verde de Oxóssi ao liláz e branco de Nanã; nos sons dos tambores Rum, Rúmpi e Lé, preenchendo os ouvidos, temos o anúncio de que por toda a noite teremos candomblé.
De dentro do salão, ouvimos os vagidos do carneiro, objeto de sacrifício exclusivo de Xangô. Várias peles de carneiro, também enfeitam a sala. Dizem que o chifre desse animal, ao ser batido na parede, simula do troar do trovão, que é Xangô.
Ouve-se um timbre de cobre, é o Xerê de Xangô. Dazinha, que com o Xerê encobre peito, vestida de branco e vermelho, chegou. Seu rosto firme parece o machado de duas lâminas, como que talhado nos ossos sob a pele. Terrível, firme, rodada, a Filha do Trovão assombra.
Dazinha, como yaô, tal qual uma ovelhinha tosquiada, deixou seus cabelos, sua lã, nas mãos de Mãe Anísia. Agora, ela dança Xangô, pois já cumpriu seu tempo de submissão. É ebômim.
Sobe então, pelo ar do salão, da garganta de Dazinha, o aulido nagô: o grito de Xangô.
Dazinha dá início ao movimento do fogo. Com os pés em leque e as mãos em aspas nas ancas, como grávida de um deus, tenebrosa, começa sua dança. Na roda da saia peneira cravos; o peito, tomado de labaredas, sacode como protegido pela carapaça de um cágado.
Disseram-me que Xangô gosta de amalá: e da terra do chão do terreiro, ressoa a batida da ponta de pé de Dazinha, que dançando, amassa o pirão. Seu suor exala o cheiro do caruru.
O que vejo em minha frente é um anjo de azeviche que salta de canguru. Roda o salão pulando num só pé. Sinto-me assombrado por um raio. Com as cores e os cheiros, sinto como se eu estivesse também em transe. Dazinha parece crescer e tomar todo o salão: encolhe-nos a todos. Os giros param.
Ela voa. E mesmo que não tenha coisa alguma de ave, salvo de galo nagô, seu corpo pesado voa. Mas, porque dança esvoaçando, como ave de trilho pobre. Vejo-a avestruz de Nigéria nos braceletes de cobre.
Os iniciados me contaram, e em Dazinha eu li, que Xangô bateu no solo com seu Xerê, e fez abrir na terra uma fenda. Ele ordena às serpentes, seres das profundezas, que retornem com ele para o fundo da terra. Ali, na fenda, ele enterra as pedras de raio. Nas profundezas, ele cria os raios. Olorum, o deus maior, alça Xangô ao céu. Xangô voa e se transforma no trovão. Xangô se encantou. A dança terminou.
Para tonta, possuída: o deus bebe-lhe o suor, que lhe sabe mais doce que água de coco. Muge sagrada, escorrendo fúrias de Xangô dançadas. Nas toalhas encharcadas, como quem embala fruta, Chica, sua ekédi, seus seios protege. Então, velando-lhe o rosto, como o do deus, esculpido em madeira, o sacrifício e o desgosto arfam no peito suado.
Outra vez Xangô a abrasa, na viração da Bahia. Dazinha dança o rito do fogo breve: a lança da guerra preta e o pilão da escravaria. O tempo passa e as negras, fechando os olhos, sentem as velas comerem pavios inteiros acesos no seu dançar.
E então, alta, nutrida de lume, Dazinha vem me abraçar. Passa-me os braços nas costas, tremenda, digna e direita; duas vezes seu pescoço toca o meu, para me sagrar, como quando à noite deita o seu menino a ninar: e lá se vai, mais pura ainda, arder, arder e dançar.
Algum tempo depois amanhecia e de minha cabeça não desaparecia o assombro. Já longe, ainda lembrava aquela noite de ouro que tornou meu rosto negro de fumo e incenso.
Dazinha em Xangô virada, sendo negra, o Fogo É!
3. REFERÊNCIAS
NACAGUMA, Simone. “Romance de Xangô”: a dança do fogo. Revista Literatura em Debate, Campinas, v. 5, n. 8, p. 283-295, jul. 2011. Semestral.
Obs.: O poema, encontrado por nós no artigo de Simone Nacaguma, faz parte do livro “Violão de Morro… seguidas por 9 Romances a Bahia, de 1968”.

Obs.2: Na composição do texto da sinopse foram usados trechos do artigo de Simone Nacaguma e do poema de Vitorino Nemésio.

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